2009/09/15

    "Become unpredictable [...]   let your moves flow out of your individual essence. [...] The moves created from your own individual unique essence may suprise even you." -
Sword Master, Afro Samurai

    "Torne-se imprevisível [...] deixe seus movimentos fluírem para fora de sua essência individual. [...] 
Os movimentos criados a partir de sua própria essência individual e única podem surpreender até mesmo você."

Sword Master, Afro Samurai

....................

    Naquela noite ela não pretendia dançar. Por alguma razão, pouco conhecida até por ela mesma, estava se sentindo um tanto quanto frustada com a dança. Era como se finalmente conhecesse todas as cartas do baralho: formas, ordens, cores e maneiras de serem distribuídas.
   
    Entretanto, um grande vão existia entre a sua destreza e o brilho de uma verdadeira dançarina. Algo faltava, não estava no seu lugar ou não estava sendo bem aplicado. Era como se somente "conhecer" a dança não fosse suficiente. Sentia-se repetitiva, fosca... entediada.

    Mas a sua perseverança em acreditar que algo fora do previsto pode sempre acontecer a fazia, por mais desmotivada que estivesse, procurar mais um baile para dançar. Talvez sua próxima dança poderia mudar a sua vida. Contudo, como previsto que não seria esperado, não foi exatamente a dança que mudou sua vida.

    Ela chegou. O salão estava um tanto quanto mais escura que o normal. Alguns desenhos brancos de casais reluziam por causa da luz negra compondo uma apresentação mais intimista a casa. Uma casa intimista cheia de pessoas tímidas - pensava a jovem dançarina.
    Os minutos corriam enquanto ali, sentada em uma mesa próxima a pista, observava os pares e seus movimentos. A maioria dos homens com os quais poderia dançar se encaixavam em um repetitivo e massante padrão que era a última experiência que ela procurava.
    Nesse instante, perdida em suas observações pessimistas, ela escuta uma voz enquanto uma figura surge em pé ao seu lado e lhe estende a mão: 

    _ Oi, vem dançar!

    Três fatores muito diferentes naquele momento que a trouxe de volta ao mundo real estavam evidentes: primeiro era que simplesmente não conhecia o sujeito moreno de olhos castanhos e expressão obscura em sua frente, segundo aquilo não era um convite, pedido ou chamado, mas sim uma afirmação! E terceiro a postura, o olhar, a forma... a linguagem que seu corpo usava, e o que dizia, era sutil mas penetrava com profundidade.

    Diante daquela situação era impossível recusar. Sua curiosidade a mataria ao menos pelo resto da noite. Sem dizer qualquer palavra ela se levanta e o acompanha até o meio do salão. Ao chegarem era exatamente antes de uma nova música começar Um silêncio, que geralmente não dura mais de cinco segundos, parecia se extender por minutos em sua cabeça enquanto que, parado diante dela, seu misterioso parceiro de dança a segura e diz:

_ O que você acha de tirarmos essa dançarina de dentro de você hoje?
_ Bem, acredito que ela esteja bem viva aqui na sua frente.
_ Eu também a vejo, sim, mas em um ponto bem mais profundo.


    Aquela conversa com proximidade corporal, cheia de olhares e expressões, podia continuar durante toda a noite. Mas a música começou e havia uma dança para viver.

    Logo a princípio ela percebeu que tratava-se de um cavalheiro cuidadoso e progressista. Em resumo, ele iria sentir sua dançarina e tentar perceber até onde poderia chegar com ela. E, de certa forma, assim foi acontecendo. Pouco a pouco, enquanto a dança se desenrolava sem qualquer fator diferente, a complexidade dos movimentos do casal aumentava.
   
    Em certo momento, em uma pausa da percussão, seu condutor para acompanhando o fluxo e contexto da música. Ela, acompanhando com leveza sua condução, para com braços esticados horizontalmente, esquerdo mais alto que o direito, na frente de seu par, de costas para ele, e rente ao  seu corpo.

    Naquele instante uma voz veio ao seu ouvido. Não sabia ao certo se era a voz do seu misterioso par ou se simplesmente escutou algo dentro de sua cabeça. Se tivesse bebido alguma coisa a mais já acharia que estaria escutando coisas. Independente de onde veio, aquela frase reverberou em sua cabeça:

_ Entenda: dançar é se permitir sentir Liberte seu corpo das amarras de sua mente e o deixe livre para ser viver. Permita-se sentir, e fazer sentir, seu companheiro e seus movimentos como nuvens se formarão por si sós: sempre diferentes ainda que sempre nuvens.

    E, como todo instante e toda pausa de qualquer música, aquele momento passou. A dança continuou e o casal continuou a movimentar-se. Mas ela não mais dançava. Alias, ela havia entendido ali naquela música o que era dançar de verdade.

    Calor, cheiros, tensões, olhos, sons, pulsões, toques, provocações, sorrisos e breves paixões. Ela entendeu, quase como uma iluminação, que aprender a dançar era no fundo aprender a permitir-se viver intensidades com alguém ao invés de somente estar presente.

    E a música terminou. Ela parou um pouco deslumbrada, surpresa, confusa, realizada... perdida em uma miríade de sentimentos. Olhou para a face de seu par, como quem espera algo que justifique todo aquele acontecimento. Ele a observou, sorriu e a beijou na face enquanto dizia:

 _ Maravilhoso! Fico muito feliz em ter o privilégio de sentir a mulher que você verdadeiramente é. Espero que tenha à feito tão feliz quanto me fez nesta dança.

    Logo após ela o viu virar-se e andar pelo salão enquanto seu olhar o perdia em meio a outras pessoas quaisquer. Ela nunca mais o viu, sequer sabe seu nome, mas daquele dia até os últimos de sua vida o brilho de sua dança nunca foi tão intenso e incomparável a qualquer pessoa que conheci em toda a minha vida.




    
 



Nenhum comentário: